Já o Marquês de Pombal, estadista no
rescaldo do terramoto de 1755 disse (algo como) que o necessário era enterrar
os mortos e cuidar dos vivos. Hoje, alguns dos ex-ministros das Finanças
decidiram-se, politicamente falando, pela via mais mal cheirosa. Ponto prévio: ficamo-nos pelo acessório - discutir
o futuro político ( i.e., o que pode
mudar ou não? Quais os dossiers que ficam pendentes?) fica para outra altura (“aquela
altura em que haja jornalismo político bem feito em Portugal? Não: será tarde demais” -
pensa para consigo mesmo o humilde escriba). Seguindo o exemplo da Sic
Notícias, foquemo-nos - ou melhor: dispersemo-nos - no carnaval mediático que
obriga a um certo esforço de abstracção: durante momentos duvidei sobre o que
se estava a anunciar, tal foi a forma entendida adequada pela SicN de abordar a
questão. A saber: chamar à conversa telefónica em directo antigos ministros das
finanças (Miguel Beleza, Eduardo Catroga, Campos e Cunha), provavelmente em
busca de uma reacção impressiva, genuína por parte dos antigos titulares da
pasta. Primeiro duvidei, dizia; depois de ouvir os antigos ministros tive a
certeza. Que certeza? A de que a saída de Vítor Gaspar do Governo não se trata de
uma demissão política, mas de um funeral, caro leitor. Vejamos os traços
fúnebres essenciais: de repente, (i) Vitor Gaspar passa a ser um homem bom (aquilo
que se convenciona designar como um justo,
em dialecto cristão)– boas intenções; bases teóricas muitíssimo credíveis; (ii) há
um conjunto de seres que enfermam de uma afinidade com o sujeito que sobreleva
por uns instantes quaisquer outras, algo que como se sabe é norma social em
funerais: neste caso, estarem de acordo quanto à inquestionável mais-valia que
constituiu o defunto, i.e. Vítor
Gaspar (a de terem sido ministros das finanças é, a esta luz, apenas peculiar);
(iii) é bem sabido que não há funeral que se preze em que não compareçam viúvas carpideiras que choram
profusamente o falecido, fazendo desta actividade um modo de vida, nos
seguintes termos: qualquer sinal de superação da tristeza é reprovado -
inclusive a aceitação do ocaso parece uma blasfémia (o que interessa é lamentar
e/ou elogiar 300 vezes, se necessário). Abreviando, o que torna esta gente
especialmente irritante é a insistência na tristeza que é prosseguida através
do louvor do falecido até à náusea; estas senhoras de provecta idade exageram
tanto que o “mero familiar” se interroga acerca da veracidade do seu pranto,
sendo levado a pensar às tantas que há ali uma segunda intenção, como seja um
certo gostinho macabro, tal o empenho
dispensado na tarefa. Admitamos uma falha na metáfora: é certo e sabido que os
ex-ministros muito raramente enviúvam entre nós; mas que houve um pendor, por
certo muito genuíno, para o balanço histórico - muitíssimo prematuro, lá isso
houve. Assim de repente, isto só acontece nos funerais.
P.S.: Fica desde já dito que o autor do presente texto não sabe escrever segundo o Novo Acordo Ortográfico.
P.S.: Fica desde já dito que o autor do presente texto não sabe escrever segundo o Novo Acordo Ortográfico.
Aplausos, João. Muito bem concebido. Gostei imenso do teor humorístico e crítico. Aguardo expectante os próximos artigos.
ResponderEliminarObrigado Professora Rosário. Isto há-de melhorar. Ou não.
EliminarA funérea metáfora é bem apanhada... ou amanhada, caro João. Por vezes questiono-me, até, se não ocorre, logo à partida, que a escolha para este tipo de minesteriáveis não recai sobre «zombies», sempre com morte adiada, mas espalhando mortal peçonha em tudo quanto tocam... Enfim, uma espécie de Midas às avessas.
ResponderEliminarAs personalidades carpideiras seleccionadas alinham todas pelo mesmo diapasão, pelo que dificilmente será esperar que digam mal umas das outras. Mas serão, certamente, as primeiras a lançar os punhados de terra sobre a tumba, pois interessa que a pestilência seja rapidamente abafada.
É este um fenómeno chato, na verdade. O que fede tende a feder qualquer que seja a pituitária que dele se abeire.
Belo artigo. Também gostei de ler.
Ainda a propósito da citação ao Marquês, mas articulada com o inefável Gaspar, lembrei-me de uma resposta, em prova escrita, de aluno mais despassarado, lá pelos idos de 60 e publicada, salvo erro, pelo suplemento A Mosca, do Diário de Lisboa:
ResponderEliminar«- O Marquês do Pombal notabilizou-se no terramoto de 1755 porque andava, em Lisboa, com um carrinho de mão, apanhando os mortos e enterrando os vivos...»
Não sabia aquele então jovem examinando quão justas aquelas palavras se adaptadas à função governativa do Gaspar do nosso descontentamento.
ResponderEliminarObrigado, caro Jorge. Eis o início, apenas e só.
Essa história que conta é muito bem apanhada e o descontentamento é o mesmo. Ao contrário do que dizem e pretendem, talvez sejamos 1 geração. Ao menos no descontentamento.
Quanto a fedores, aproveitei a referência e inseri-a num P.S. ao mais recente post.
Continue a parar por aqui. Não garanto que valha a pena, mas tentar não custa.
Um abraço,
Está combinado! ;-)»
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