sexta-feira, 5 de julho de 2013

Em defesa do ideal na Política

Há um erro muito difundido na nossa época que diz que em alturas de crise precisamos de políticos pragmáticos, querendo com isto dizer-se que precisamos de líderes que não se preocupem demasiadamente com ideias, ou, o que ainda seria pior, com ideais. A tese, que é opinião corrente, parece-me uma grande insensatez. A afirmação contrária é que é a verdadeira: nunca como nas grandes crises necessitamos tão desesperadamente de idealistas. Ou melhor: direi, para que não me acusem de incorrer num vício de pensamento abstraccionista que divide e opõe a teoria à prática, que na política poucas coisas são mais práticas do que os ideais. 

Não me é difícil adivinhar o esgar de desprezo de quem rejeita tudo o que remotamente se assemelhe com metafísica nem o dos fervorosos apologistas dos homens de acção quando ouvirem dos meus lábios ou lerem da minha pena que a Política é ciência. Ciência prática, verdade; ciência, ainda assim. É bem possível que depois de demorarem um pouco o olhar no meu texto me acusem de ser idealista, o que para homens dessa estirpe equivale a desacreditar a minha aptidão para a vida prática. Para esses tudo o que se eleve acima do comentário político ao jornal quotidiano ou do pregão de uma ou outra ideia revestida dos caracteres do Absoluto, sublimada a móvil de toda a vida partidária, pertence a uma esfera totalmente alheia aos graves problemas do país, portando mais afinidades com o mundo das fantasias teóricas do com qualquer aspecto da realidade. No entanto, o que esses homens estão a exigir é que o homem entre na Política guilhotinado - estão a querer realizar o absurdo de o homem partir para a acção sem partir da ideação.

Mas é conveniente que eu diga o que entendo por ideal. Com a palavra ideal quero significar a convicção de estar na posse da verdade em relação a um certo número de questões fundamentais sobre a política, como o são, por exemplo, as perguntas o que é a política?, qual é o fim da política?, qual é o melhor regime político?. Estas interrogações podem parecer remotas e totalmente alheias ao que verdadeiramente interessa quando se quer fazer política.  Uma reflexão mais atenta revela que não é assim. O modo como o homem responde às primeiras questões em qualquer ordem de conhecimento, acaba por determinar o modo como responde às questões que lhe são colocadas todos os dias. É característico da mente humana encontrar as suas conclusões mais particulares partindo de princípios gerais e compreender a contingência através do que é universal. Se a política não passa também por ser uma ciência, acabará por ser apenas uma prudência que se consome nas contingências do devir quotidiano - mas a prudência sem ciência é bem mais uma imprudência. É que não se pode dirigir a acção política convenientemente se não se sabe qual é a direcção; e se cada acção humana é um meio para um fim, não se pode agir eficazmente se não se sabe quais são os últimos fins a que a acção política deve ser ordenada. Quando é assim, a política assemelha-se a um navio que na sua navegação evita os bancos de areia, que é preservado dos naufrágios pelos esforços da tripulação, mas que não tem um porto em que atracar. O ideal deve ser o ponto de partida porque proclama o ponto de chegada. Por isso, em tempo de crise, em que tudo é posto em causa, não precisamos tanto do pragmatista como precisamos do idealista, que nos lembra aquelas coisas que não podem ser postas em causa. Sou da opinião que o ideal está necessariamente ligado à política enquanto encarada também como uma ciência - é na ciência, na busca metódica pela verdade, que devemos procurar o nosso ideal, a resposta definitiva, tanto quanto a pudermos obter, às questões de fundo.

É insano cindir a procura da verdade sobre estas questões da procura do bem no agir político, porque a ordem especulativa não se pode separar da ordem prática e a verdade não se distingue realmente do bem - a Metafísica prova-o. Um dos maiores males da política contemporânea é o de que ninguém já sabe ou ninguém já quer saber a resposta àquelas questões fundamentais. Enquanto assim for, todos os esforços dos nossos políticos consistirão em manter o país a rodar sobre si mesmo, sem progredir um milímetro. Enquanto não tivermos a ciência dos princípios, não podemos ter a prudência de agir concludentemente.

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