terça-feira, 1 de outubro de 2013

Uma pedra no sapato

Quem me conhece sabe que é meu hábito andar por aí com o calçado desapertado. Não é de agora - os hábitos de infância são, em geral, bons de manter.  Assim andando, vou sendo avisado por quem passa ou vê passar para o facto, como se ele fosse qualquer coisa importante. Dirá o leitor que a cordialidade dos transeuntes contrasta com o meu próprio desmazelo. Não me parece, admitindo discordâncias neste ponto absolutamente irrelevante. O que de interessante há nisto é a extraordinária amostra de solicitude das gentes que podemos observar. Observemos então: é legítimo pensar que aquele que avisa previne uma queda embaraçosa para o sujeito desatado. Haverá um risco diminuído pela acção do observador, em consequência. Mas que risco há mesmo? Não creio haver relatos de situações como aquela em que António pisa com o sapato apertado o atacador desapertado, e acto contínuo, inclina-se para a frente, desferindo portentosa cabeçada no espantoso peito de Bruna que, incapaz de suportar virilmente o impacto, tomba para trás batendo com a cabeça no chão e morrendo. Ora, o que com isto pretendo provar é que o aviso visa, essencialmente, proteger o destinatário do mesmo. Portanto, a acção solícita é altruísta. Tenho para mim que o altruísmo é bom e que será tanto melhor quanto mais importante for o fim com que é praticado. Claro que existem diferentes perspectivas sobre a importância do fim: a minha e a de quem me avisa - eu, ser pouco dado a apertos, tendo a achar que é desproporcionado o altruísmo que é dedicado a um atacador; a verdade é que a realidade obriga-me a constatar que esta minha opinião é claramente minoritária. Não é que seja algo desprezível, embora às tantas incomode. O que eu gostava mesmo é que se tomasse consciência da magnitude deste nosso costume bem como da inconsequência ontológica do sapato desapertado em via pública. Estaria então dado o primeiro passo para civilizar um pouco a malta da metrópole no que toca à interacção social. Eis o egoísmo como supremo altruísmo, no fim de contas.

sábado, 27 de julho de 2013

Desta vez é diferente

Hoje, no Expresso, uma frase de Pedro Adão e Silva que diz tudo acerca da remodelação governamental:  
"O pavor dos aparelhos partidários em se verem afastados do poder ajudou a cerrar fileiras em torno de um líder falhado e desautorizado pelo Presidente (Passos) e vergou um que se quis demitir (Portas)"
Hoje no Expresso via http://corporacoes.blogspot.pt/
*clicar para ver a imagem em tamanho real

terça-feira, 23 de julho de 2013

A Sombra

A sombra da cadeira onde te sentas prolonga-se,
Aumenta-te enquanto o Sol continua a queimar
Não tens de ser a profundidade de um olhar,
A falsidade de um sorriso ou a insegurança de um toque leve
No peito.

Mesmo com a mão quente,
A minha frieza arrepia-me os pelos dos braços.
A tua mão perfura-me o peito,
Entra por ele e acaricia o que vive lá dentro.

As ruínas e os destroços que deixas no meio do gelo a derreter
Afogam-me.
Eu não sou de gelo, sou de pedra.
Mas as gotas vão pingando, latejando e escrevendo história
Dia a dia, vais-te cravando em mim.

Um dia vais poder preencher-me a fraqueza
Fraqueza que tu criaste no meio da força
Era a única forma que tinhas de apagar o vazio, de o preencheres.
De me preencheres.

sábado, 20 de julho de 2013

Mais vale tarde do que nunca (!?)


Quando muitos pensavam que não tínhamos um Presidente da República, eis que ele surge para resolver a crise política (!?) que o Dr.º Paulo Portas decidiu abrir, aproveitando a saída do Vítor, para tentar ficar com a parte de leão do programa governamental .
Tudo bem, temos um presidente que parece estar preocupado efectivamente com a crise do país e que está disponível a procurar soluções para a "salvação" da pátria. Aliás, o presidente da república não deve servir só para promulgar diplomas legais e visitar ilhas selvagens, deve também ele ser capaz de exercer uma magistratura de influência junto dos partidos políticos e governo, procurando a existência permanente de diálogo entre oposição e governo, pois, quer se queira quer não, em Portugal as decisões governamentais passaram sempre pelos líderes políticos do PS e do PSD. Gostei que Cavaco tenha "obrigado" os dois partidos a sentar-se à mesa e discutirem um acordo de "salvação" nacional, o que parece-me que faz todo sentido. 
Mas, caro leitor, este texto não será para elogiar Cavaco Silva, antes será para apontar mais uma vez os erros políticos deste senhor. Desde logo, esta ideia do acordo de "salvação nacional", aliás ideia que defendi mesmo antes da assinatura do acordo com a Troika, chega só dois anos atrasada, pois qual é o sentido de se fazer um acordo desta envergadura, que incide sobre a reforma do Estado e o acordo da Troika, a um ano e poucos meses do fim da execução do programa e com um governo altamente fragilizado? Onde estava Cavaco Silva quando o Governo demissionário de José Sócrates foi negociar o programa da Troika? Não se formou um governo de salvação nacional a partir das últimas eleições para executar o programa da Troika, tout court,  porquê? Desde logo é fácil perceber, Cavaco Silva não tinha interesse nisso e acreditava que Passos Coelho teria uma maioria absoluta. Os resultados estão à vista. 
Outro erro de Cavaco Silva foi ter deixado Passos Coelho ignorar e cortar o diálogo directo com o PS em todas matérias que estariam relacionadas com o programa da Troika, o PS foi desresponsabilizado pelo programa da Troika por este governo. Não é de admirar que o PS não tenha interesse neste acordo de salvação nacional, tanto por razões políticas como democráticas, pois não é legítimo pedir-se ao maior partido da oposição que seja parte da salvação nacional, quando o actual primeiro-ministro fez questão de afastar o PS das discussões e das reuniões com a Troika. Isto só demonstra como o presidente ignorou os problemas do país, pois era público que o PS não estava a ser envolvido nas decisões e revisões da Troika e ainda assim este faz fé que o apelo ao "patriotismo" do PS o faria regressar à mesa das negociações, mesmo após tudo isto, ora, nada mais errado. 
O patriotismo do PS revelou-se quando Seguro recusou qualquer acordo com este governo, ser-se patriota não é o mesmo que fazer parte deste governo, pelo contrário, neste momento, patriotas são aqueles que exigem uma renovação democrática do governo e um verdadeiro acordo para as reformas do Estado entre PS e PSD, livre de pressões eleitorais marcadas pelo presidente.
Para os que questionam-se acerca da relevância da figura do Presidente da República no sistema  político e constitucional português, eis, aqui, a demonstração do papel fulcral que o mesmo deve assumir, garantindo o regular funcionamento dos órgãos democráticos, e isto garante-se exercendo a magistratura de influência, fiscalizando a constitucionalidade das decisões do Parlamento e do Governo e, por fim, se necessário dissolver o Parlamento quando o Governo não tenha mais condições para governar, quer políticas como sociais. Escusado será dizer que em nenhuma destas áreas Cavaco tem tido nota positiva. 
Cabe fazer a pergunta: Como estaria a situação política do país, neste momento, com outro Presidente da República? 

Fábio Amorim
Jurista

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Tese do apocalipse

Todos conhecemos a frase - das citações de fonte duvidosa é das que mais aprecio - que diz algo como "os homens bons estão cheios de dúvidas e o maus cheios de certezas". Pretendo retomá-la, introduzindo-lhe uma variante: os homens bons da nossa polis têm tendência para serem condescendentes, moderados, abertos ao diálogo, não levarem as suas opiniões demasiado a sério. Os homens maus para serem obstinados, portadores de convicções extremadas, senão de extremismo de convicções.

Comparemos a intervenção de um académico - tomemos por exemplo Viriato Soromenho-Marques - em que a fundamentação é tão rica que a importância da tese se perde, com as intervenções do Primeiro-Ministro em que só há teses, não há fundamentação (virá algum economista explicá-la como se de verdade indisputável se tratasse). Problema: a comunicação social pega na tese- o título, a primeira página. Há ainda a transposição deste raciocínio para os partidos políticos, segundo o qual os partidos moderados seriam mais abertos ao diálogo do que os partidos dos "extremos" (por definição ideológica mais arreigada). A realidade recente tem vindo a infirmar esse lugar-comum do politólogo português: o PSD de Passos Coelho é cego ao diálogo - podemos afirmá-lo, correndo o risco de pecarmos por defeito dado que, como é sabido, as pessoas invisuais têm grande capacidade auditiva, o que não se verifica. Diferentemente, o CDS apresenta-se como moderado e aberto ao diálogo. Não por acaso é a linha mais ortodoxa que foi fazendo vencimento...até ao momento em que o CDS passou a ser obstinado. Estão a ver ? (Dir-me-ão que tal se deve a uma mudança de linha política do PSD que o coloca mais ao extremo que o CDS. Talvez, mas esse é um aspecto lateral à questiúncula que tratamos). Homens de boas ideias de todo o mundo uni-vos. Lembrai-vos de que como disse Fernando Pessoa: "Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria".

A experiência diz-me que os mais mal-preparados procuram incutir certezas; os melhores procuram incutir dúvidas. O apocalíptico disto é que governar (em sentido lato) exige certezas. Isto em papéis de destaque nas várias esferas de poder, seja na universidade, no governo ou numa equipa de futebol.
Tentando relativizar: os bons tendem a importar a liberdade académica para a política; os maus, parecem comportar-se como comerciantes, do tipo vendedores do ramo imobiliário. Isto é: a lógica do mercado na política.

No fundo trata-se de ser entendido, de uma questão de linguagem. A conversa de mercearia funciona e tem adeptos no campo do comentarismo político (perdão, de merceeiro). Numa sociedade com níveis de literacia (não estou a falar das estatísticas) realmente baixos a capacidade académica é confundida com lirismo; a conversa de café é confundida com discurso de Estado (v. o exemplo histórico de Salazar). Daqui decorre uma regra não escrita do jogo político português: que os académicos tenham que descer à banalidade para se prolongarem no poder (v. o caso de Cavaco).

Portanto, eis a receita para evitar o apocalipse:

i) às pessoas de boas ideias pedir teses;
ii) às pessoas de más ideias pedir fundamentos.

Porque aquele que só tem as premissas estará mais perto de qualquer coisa de bom do que aquele que só tem a conclusão.
Talvez assim o tabuleiro se equilibre.

Da crise para a crítica


Por Diogo N. Gaspar*



Consumida pela atualidade mais recente, quase passou despercebido a notícia de arquivamento do inquérito aberto a Miguel 
Sousa Tavares, depois deste ter respondido assim ao Jornal de Negócios: Bepppe Grillo? Nós já temos um palhaço. Chama-se Cavaco Silva.Sobre as declarações considerou o Ministério Público que as mesmas se encontravam a coberto do direito à liberdade de expressão do entrevistado, mas, a mais da avaliação dos magistrados do MP, o episódio passaria à história como um incidente político pouco feliz para a instituição em causa, a Presidência da República. Não fosse a apresentação de queixa ao Procurador-Geral da República e poucos se lembrariam da manchete do Negócios, com a entrevista de Sousa Tavares. 

A demissão de Vítor Gaspar, a tentativa frustrada de Paulo Portas e a crise política que se sucedeu, adivinhariam outra palhaçada. Um pedido de conciliação, baseado no impossível: a aplicação de um programa incapaz de reunir qualquer consenso, a não ser daqueles que não podem deixar de capitular com o voluntarismo do chefe do Governo. Parece que Cavaco Silva se rendeu a este grupo. Ao fazê-lo, evidencia a estreita leitura política que faz dos acontecimentos, maxime dos motivos da demissão de Gaspar: uma execução orçamental e fiscal falhadas; a incapacidade do programa para cumprir com o pagamento da dívida; a previsibilidade de terríveis consequências para a economia portuguesa, originadas pela espoliação fiscal das famílias e das empresas. Confiando na continuidade, o Presidente dobatismo, é agora o Presidente da confirmação, que se refugia na necessidade de apaziguar uma crise política, para adiar os problemas, enfim, para adiar o futuro. Como convém ao circodos mercados e à deriva das instituições europeias. 

Antes de Sousa Tavares falhar de palhaços, já Mário Viegas dizia assim no seu Manifesto Anti-Cavaco: Não é preciso saber contar pelos dedos para se ser professor de Economia, basta fazer contas pelos dedos como o Silva, basta não ter escrúpulos – nem morais, nem artísticos, nem humanos – basta andar com as modas europeias, com as políticas comunitárias e as opiniões de Bruxelas. Assim, ontem como hoje, Aníbal continua cavaco, tanto quanto dizia Viegas: O cavaco é Aníbal, o Cavaco é Guterres!. Era o manifesto de um ator, que é como quem diz, o manifesto de um palhaço. Do tempo em que os palhaços representavam, mas ainda não governavam.


*N.R.: Aceitando tipicamente o convite d'Os Típicos, o que muito agradecemos. 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

agitação no caixão; erecção post-mortem

Não esperava por esta. Como optimista que sou, tento sempre ver o lado positivo das coisas. À primeira vista, duas notas:

Cavaco “fartou-se” da brincadeira, à sua maneira, não confia em Portas e antecipa eleições para altura adequada;
Ao mesmo tempo, dá uma “oportunidade” ao PS através de um acordo de salvação nacional, “queimando” Seguro e abrindo caminho a uma nova liderança.

domingo, 7 de julho de 2013

Manifesto contra as profissões terminadas em "istas"

Diz Miguel Morgado a propósito do socialismo (in Autoridade, Fundação Francisco Manuel dos Santos,  2010) que as ideologias acabadas em “ismo” (outro ex., o nacionalismo) importam alguma indefinição (variabilidade) de conteúdo. À luz de dados empíricos recentes – muito recentes e escaldantes aliás, eu avançaria com uma proposta radical. A saber: que se vá mais longe e se diga de uma vez por todas que todas as actividades profissionais designadas por nomes acabados em “istas” (no plural)  são altamente falíveis – ou, retomando o paralelo inicial, são de conteúdo dúbio em face do que seria expectável da sua nomenclatura. O leitor quer provas, com certeza. (E eu mesmo precisarei delas para duvidar menos desta reacção irada ao calor). Comecemos pelas constatações mais óbvias, caminhando paulatinamente para uma maior finura de análise. Por lapso que nos é imputável, não conseguiremos lá chegar neste texto.

Os metereologistas disseram que não ia haver Verão: enganaram-se, como é fácil sentir. Os futebolistas: tipos que treinam várias vezes ao dia para falhar ao nível do jovem escriba e dos seus companheiros mais desprovidos de técnica numa qualquer futebolada semanal. Os economistas, estirpe de pessoas que mais tempo de antena tem em Portugal, andam a coleccionar previsões erradas sucessivas. Atentemos: se estas estão ao nível das falhas dos meterologistas quanto à forma epidérmica de serem sentidas, já são incomparavelmente mais desesperantes quanto à duração dos seus efeitos, como se os sucessivos erros de previsão formassem uma espécie de erro perpétuo, sem fim à vista (tal como a crise –  Ah… e esta, hein? Eu não acredito em bruxas, pero que las hay, las hay…).
Até as próprias floristas são pessoas cujo trabalho sofre forte discussão, em especial por parte das freguesas mais idosas. O que há de mais certo neste mundo (isto é empirismo, não é machismo) é ser difícil escolher flores. A composição de um ramo de flores é feita de escolhas que, no seu conjunto, serão esteticamente questionáveis – sempre. Exemplo disso é a dificuldade comprovada de “compor o ramalhete” – expressão que é particularmente eloquente depois dos acontecimentos políticos dos últimos dias.
Passemos para categorias mais gerais:  os especialistas (em assuntos) são, na verdade e nas mais das vezes, pessoas muito dadas ao bitaite. E como saberá o leitor, “quem muito fala pouco acerta”. Também com risco bastante alto de designação equívoca face à realidade, veja-se o caso paradigmático d’os activistas, que em rigor não são mais nem menos do que cidadãos políticos, que defendem e pretendem implementar a sua mundividência na sociedade (se bem que aqueles que o fazem apenas às quintas feiras à noite tenham uma paradoxal tendência para o fazer contra as evidências do mundo – falaremos sobre isso, atempadamente. Promessa irrevogável).

Após a brevíssima anotação da realidade a que procedemos, há uma conclusão que devemos extrair: menos atenção a esta malta se faz favor. Já na Grécia Antiga os filósofos se tinham pronunciado contra a basófia d’os sofistas (e não contra a loucura dos pintores, ou a arrogância intelectual dos professores). Não por acaso sucedeu assim: a terminação vocabular das profissões não é inocente, porque não o é também  a orientação constante para o engano protagonizada por metereologistas, futebolistas, economistas, floristas, especialistas e activistas (ainda que em escala variável).
Está dado, segundo me parece, o mote para uma revolução coperniciana no modo de creditarmos credibilidade profissional aos outros.






P.S.: Perdoe-me o leitor mais político por não mencionar no texto os cavaquistas. Não o faço, como poderia ser levado a pensar, por aqui mencionar apenas profissões sérias e promotoras, se exercidas acertadamente, de algum impacto positivo na sociedade. Omito-os, na verdade, por não querer estar de novo a tocar em assuntos fúnebres (metáfora a que recorri no meu 1º post). Não há necessidade de estar a chocar repetidamente a sensibilidade dos nossos avisados (dois) leitores com assuntos que fedem.