terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Florbela e Junqueiro

Comprei hoje dois livros na FNAC, ambos pertencentes à «Coleção Klássicos» - que, para nos exprimirmos em bom português, diremos que é uma colecção de títulos clássicos da literatura portuguesa, vendidos ao público a preço não proibitivo. É raro em Portugal desimpedir tão liberalmente o acesso à cultura. Cada uma das obras da referida colecção - que integra algumas das melhores realizações da nossa cultura em todos os tempos - é vendida a 2,50€. Quanto à materialidade, as edições não serão das mais admiráveis como objecto. Além disso, alardeiam os seus publicadores de que esta é a primeira colecção de língua portuguesa que respeita o acordo ortográfico - o que mais preferira esconder. Não obstante, passe: remonte-se à substância da questão e achar-se-á nela virtude.

Comprei dois livros, como disse: colmei duas lacunas na minha biblioteca - a primeira, Pátria, de Guerra Junqueiro, a segunda, os Sonetos, de Florbela Espanca.

O último destes livros de versos reúne os sonetos de Florbela, desde as páginas de O Livro das Mágoas até à Charneca em Flor. À medida que se lê percebe-se bem o crescendo operado por Florbela desde alguns dos sofríveis sonetos com que iniciou a sua carreira literária até alcançar o domínio quase perfeito da técnica do soneto nas derradeiras composições, o que significa, sobretudo, aliar as exigências do ritmo à expressividade da oração - atinge o zénite do seu estro no soneto Amar!, em que dá a síntese definitiva de tudo quanto escreveu quando confessa a urgência de «amar, amar perdidamente», num movimento da vontade e da sensibilidade que se antolhe mesmo indiferente a qualquer juízo moral - «É mal? É bem?». Mas ensombra já o precípuo momento da obra o prenúncio do destino fatal, anunciado no soneto chamado Não Ser - «Quem me dera» - escreve ela - «voltar à inocência das coisas brutas, sãs, inanimadas».

Pátria, de Junqueiro, merece-me uma atenção toda especial por culpa daquele elogio que lhe fez Fernando Pessoa um dia, o dia em que lhe perguntaram qual era a melhor obra da literatura portuguesa dos últimos trinta anos. Dos últimos trinta anos, bem como de toda a literatura lusitana, disse ele, a melhor obra que já se deu à estampa foi Pátria, de Junqueiro. Os Lusíadas - concede Pessoa, quase por delicadeza - ocupa honrosamente o segundo lugar. Uma pretensão surpreendente, na origem da qual está quase de certeza o acinte que Pessoa sempre reservou a Camões. Celebrado como o grande poeta pátrio, Camões foi, por assim dizer, a némesis de Pessoa, com o qual ele procurou medir forças a quatro séculos de distância. Nunca - e é preciso ter este facto em consideração para avaliar bem aquelas declarações -, nunca foi com Junqueiro, ou com este seu livro, que Pessoa se preocupou em rivalizar. De qualquer forma, para ajuizar rectamente da verdade, lerei o livro e verei se no final me resta a ousadia de o proclamar também o melhor da nossa literatura - pelo menos, à frente de Os Lusíadas.

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