segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Convite

Convidou-me João Mendes para ser co-redactor do presente blogue. Na altura do convite, perguntei-lhe eu de que tratava o mencionado blogue. Respondeu-me ele que tratava de tudo – querendo com isto indicar que não tratava de nada. Essa resposta, mais que qualquer outra, agradava ao carácter naturalmente diletante do meu espírito. Eis uma das razões – sem ser, contudo, a principal - que me fez aceitar tão amável convite. Além dessa, há outra, a suprema. Essa ressuma no fundo do meu ser e não posso abandoná-la. Escrever, em mim, não é coisa à parte de viver. Sou neste aspecto menos livre que todos. Não está na minha disponibilidade recusar este convite. A mesma condição patológica que me constrange a escrever, constrange-me a aceitá-lo.

Não há mais escrever do que escrever para ser lido. Que assim é, é coisa que se deduz do próprio acto de escrever, pois que a função natural da linguagem é comunicar algo ao outro. O nosso Fernando Pessoa, que morreu praticamente impublicado, escrevia para o mais obscuro de todos os públicos, os vindouros, nos quais encontrou o prazer presente da fama futura. Eu, que como todos os que escrevem, escrevo para ser lido, não quero esperar pelos vindouros. O que resulta das considerações precedentes é que a atracção inelutável pela escrita vem sempre acompanhada da vontade de dar a ler aquilo que se fez com as palavras, mais tarde ou mais cedo, e sempre mais cedo do que tarde. Por isso, é pueril que me façam até aquela objecção sonhada de que se pode escrever uma literatura sepulta. Não pode. Aceitar publicar, como aceitar escrever, é sintoma de uma só enfermidade do espírito, aquela mesma que vai entranhada no meu ser.

Escrever é um acto de grandeza, entenda-se isto no bom ou no mau sentido que possa ter. Escrever, porque é sempre comunicar, é sempre dirigido ao outro, e dirigido ao outro como partindo de nós e levando algo que é nosso – é sempre pretender que se tem o que dizer ao mundo. Pôr fora de nós a nossa individualidade, pedir que nos oiçam ou leiam, supõe sempre certa presunção. Que me diz que faço melhor aos homens preferindo a palavra ao silêncio? E escrever é, evidentemente, uma certa nudez, já não do corpo, mas do espírito. O que se escreve é uma janela que dá para a alma. Expomo-nos demasiado quando escrevemos: trazemos para a luz tanto da nossa inteligência, tanto da nossa vontade, tantas e tantas das nossas paixões, e, afinal, também os limites em que elas se encerram. A escrever me obriga a lei a que estou sujeito – nunca obedeço livre do embaraço que acompanha a satisfação pública de uma compulsão.

Tais as razões - tão lúcidas quanto as consigo achar - para aceitar escrever para este blogue.

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